sábado, 14 de setembro de 2013

sábado, 20 de julho de 2013

quarta-feira, 19 de junho de 2013

O SACERDÓCIO UNIVERSAL DOS FIÉIS



Por: Dr. Alderi Souza de Matos*

Introdução

Dentre os princípios fundamentais defendidos pelos reformadores do século XVI, está o “Sacerdócio Universal dos Fiéis” ou “Sacerdócio de Todos os Crentes”. Os outros princípios, dos quais este decorre, são as Escrituras como norma suprema de fé e vida e a salvação pela graça mediante a fé, alicerçada na obra redentora de Jesus Cristo.

Embora o Velho Testamento apresente claramente a noção de um ofício sacerdotal exercido por elementos da tribo de Levi em benefício do povo de Israel, existem passagens que antecipam um entendimento mais amplo dessa função. Êxodo 19.5-6: “Se diligentemente ouvirdes a minha voz, e guardardes a minha aliança, então sereis a minha propriedade particular dentre todos os povos... vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa”. Outro texto relevante é Isaías 61.6: “Vós sereis chamados sacerdotes do Senhor, e vos chamarão ministros de nosso Deus”.

1. Novo Testamento

No Novo Testamento, o conceito de sacerdócio tem dois aspectos: (a) Jesus Cristo é o grande sumo sacerdote: todas as funções do sacerdócio da antiga dispensação concentram-se nele, e são por ele transformadas. Ele é o único mediador entre Deus e os seres humanos (1 Tm 2.5). Ele é o representante de Deus junto aos homens e o representante dos homens junto a Deus. Ele é, ao mesmo tempo, o sacerdote e o sacrifício. A Carta aos Hebreus expõe claramente a superioridade do sacerdócio de Cristo sobre o sacerdócio levítico e apresenta o caráter definitivo e totalmente eficaz do seu auto-sacrifício sobre a cruz (Hb 2.17; 3.1; 4.14s; 5.10; 6.20; 7:24-27; 9:12,26; 10.12). A literatura joanina também fala repetidamente do sacerdócio de Cristo, como em João 1.29.

(b) Todos os crentes partilham desse sacerdócio: isso se expressa principalmente nas áreas da adoração, serviço e testemunho. 1 Pedro 2.5: “Também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo”. 1 Pedro 2.9: “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”. O Apocalipse destaca o aspecto governamental desse sacerdócio: “Àquele que nos ama, e pelo seu sangue nos libertou dos nossos pecados, e nos constituiu reino, sacerdotes para o seu Deus e Pai...” (1.5-6); “Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação, e para o nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes” (5.9-10).

O Novo Testamento não menciona a existência de um ofício sacerdotal na Igreja. Essa idéia surgiu posteriormente, em escritores como Clemente (ministério cristão composto de sumo sacerdote, sacerdote e levita), a Didaquê (chama os profetas cristãos de “vossos sumos sacerdotes” e refere-se à eucaristia como um sacrifício) e, mais especificamente, em Tertuliano e Hipólito, que se referem aos ministros cristãos como “sacerdotes” e “sumos sacerdotes”.

2. Idade Média

Na Idade Média, desenvolveu-se plenamente a idéia do sacerdócio (o clero) como uma classe distinta dos leigos, dotada de dignidade e direitos especiais. Essa idéia resultou do entendimento da eucaristia como um sacrifício – a repetição do sacrifício de Cristo –, o que exigia a figura do sacerdote. Além disso, a noção de que os (sete) sacramentos são canais quase que exclusivos da graça de Deus e só podem ser ministrados através do sacerdócio, deu aos sacerdotes, à hierarquia, um enorme poder sobre as vidas dos fiéis. Os leigos tornaram-se totalmente dependentes da ministração dos sacerdotes para receberem os benefícios da graça de Deus e, em última análise, a própria salvação.

Um exemplo dos malefícios causados por esses dogmas pode ser visto na prática do interdito ou interdição, um instrumento utilizado pelos papas e outros líderes religiosos contra os reis europeus, mediante o qual o clero ficava proibido de ministrar os sacramentos em uma cidade, região ou país inteiro como um instrumento de pressão político-religiosa.

3. Martinho Lutero

Em sua peregrinação espiritual, Lutero veio a ter uma compreensão da graça de Deus que se chocou frontalmente com esse entendimento da Igreja e do ministério cristão. A partir de 1512, quando se tornou professor de estudos bíblicos na Universidade de Wittenberg, ele começou a encontrar nas Escrituras uma série de verdades revolucionárias a respeito da salvação. A salvação fundamentava-se exclusivamente na graça de Deus e na obra expiatória de Cristo. Mediante a fé ou confiança nessa graça e nessa obra, o indivíduo era justificado, ou seja, aceito como justo por Deus, sendo que essa fé também era uma dádiva do alto. As obras ou méritos humanos não desempenhavam nenhum papel nesse processo, mas a salvação era, do começo ao fim, uma dádiva da livre graça de Deus ao pecador arrependido.

A partir de 31 de outubro de 1517, Lutero passou a elaborar as implicações mais amplas dessa nova percepção. Ele o fez principalmente através de uma obra que escreveu em 1520, A Liberdade do Cristão, onde argumenta que “a alma crente, por seu compromisso de confiar em Cristo, livra-se de todo pecado, do temor da morte e do inferno, e se reveste com a justiça eterna, a vida, e a salvação de Cristo, o seu esposo”. É isto o que concede plena liberdade ao cristão.

Diz Lutero: “De posse da primogenitura e de todas as suas honras e dignidade, Cristo divide-a com todos os cristãos para que por meio da fé todos possam ser também reis e sacerdotes com Cristo, tal como diz o apóstolo Pedro em 1 Pe 2.9... Somos sacerdotes; isto é muito mais que ser reis, porque o sacerdócio nos torna dignos de aparecer diante de Deus e rogar pelos outros”.

Mais adiante ele pondera: “Tu perguntas: ‘Que diferença haveria entre os sacerdotes e os leigos na cristandade, se todos são sacerdotes?’ A resposta é: as palavras ‘sacerdote’, ‘cura’, ‘religioso’ e outras semelhantes foram injustamente retiradas do meio do povo comum, passando a ser usadas por um pequeno número de pessoas denominadas agora ‘clero’. A Escritura Sagrada distingue apenas entre os doutos e os consagrados, chamando-os de ministros, servos e administradores, que devem pregar aos outros a Cristo, a fé e a liberdade cristã. Já que, embora sejamos todos igualmente sacerdotes, nem todos podem servir, administrar e pregar. Como disse Paulo em 1 Co 4.1: “Assim, pois, importa que os homens nos considerem como ministros de Cristo, e despenseiros dos mistérios de Deus.” (A Liberdade do Cristão, cap. 17).

Os leigos têm a mesma dignidade que os ministros. Todas as profissões e atividades são igualmente valiosas aos olhos de Deus. Os ministros diferenciam-se dos leigos simplesmente nisso: foram escolhidos para realizar certos deveres definidos, para que haja ordem na casa de Deus. Foi esse princípio do sacerdócio de todos os crentes que libertou os homens do temor e dependência do clero. É o grande princípio religioso que jaz na base de todo o movimento da Reforma. Não somente Lutero, mas todos os demais reformadores o afirmaram, em especial João Calvino.

4. Implicações práticas

Dessa verdade bíblica, decorrem algumas implicações práticas:
a) O princípio do sacerdócio universal dos crentes nos fala do grande privilégio que temos como filhos de Deus: cada cristão é um sacerdote, cada cristão tem livre e direto acesso à presença de Deus, tendo como único mediador o Senhor Jesus Cristo.

b) Todavia, esse princípio jamais deve ser entendido de maneira individualista. A ênfase dos reformadores está no seu sentido comunitário. Somos sacerdotes uns dos outros, devendo orar, interceder e ministrar uns aos outros. À luz do Novo Testamento, todo cristão é um ministro (diákonos) de Deus, o que ressalta as idéias de serviço e solidariedade.

c) Num certo sentido, todos os crentes são “leigos”, palavra que vem do termo grego laós, o povo de Deus. Todavia, a Escritura claramente fala de diferentes dons e ministérios. Alguns cristãos são especificamente chamados, treinados e comissionados para o ministério especial de pregação da Palavra e ministração dos sacramentos.

d) Os leigos, no sentido daqueles que não são “ministros da Palavra”, também têm importantes esferas de atuação à luz do Novo Testamento. Os líderes da Igreja devem falar sobre o ministério do povo de Deus, bem como instruir e incentivar os crentes e desempenharem o seu ministério pessoal e comunitário. A placa de uma igreja nos Estados Unidos dizia o seguinte: “Pastor: Rev. tal; Ministros: todos os membros”.

e) O sacerdócio universal dos crentes corre o risco de tornar-se mera teoria em muitas igrejas evangélicas. Sempre que os pastores exercem suas funções com excesso de autoridade (1 Pedro 5.1-3), insistindo na distância que os separa da comunidade, relutando em descer do pedestal em que se encontram, concentrando todas as atividades de liderança e não sabendo delegar responsabilidades às suas ovelhas, tornando as suas igrejas excessivamente dependentes de sua orientação e liderança, não dando oportunidades para que as pessoas exerçam os dons e aptidões que o Senhor lhes tem concedido, há um retorno ao sacerdotalismo medieval contra o qual Lutero e os demais reformadores se insurgiram.

Que o Senhor nos dê a graça de valorizarmos e praticarmos fielmente o princípio bíblico do sacerdócio de todos os crentes, redescoberto pelos reformadores do século XVI. Dessa maneira, seguindo a verdade em amor, cresceremos “em tudo naquele que é o cabeça, Cristo, de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado, pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor” (Ef 4.15s).




* Professor de Teologia Histórica do CPAJ/Mackenzie

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Justificação e Santificação


1 JUSTIFICAÇÃO

1.1 A justificação nos Documentos Históricos

Confissão de Fé de Wesminster: Cap. XI

Catecismo de Heidelberg: Domingo 23, perguntas 60, 61. Domingo 24, pergunta 62.

1.2 Alguns termos bíblicos para justificação

No Antigo Testamento

O termo vem do Hebraico “hitsdik”, que significa, na maior parte dos casos, que uma pessoa é judicialmente declarada que está em harmonia com as exigências da Lei¹. O sentido do termo é estritamente forense (judicial). Por isso, aqui o ato de justificar não é o de “tornar justo ou reto” (isso denotaria alguma mudança no interior do indivíduo), como defendem os católicos e alguns teólogos liberais.

No Novo Testamento

O verbo “diakaioo” significa, na maior parte dos casos, “declarar que uma pessoa é justa”, significando ainda que o seu caráter moral está em conformidade com a lei². Nas epístolas de Paulo, encontramos o significado forense do verbo, ou seja, justificar é “declarar nos termos forenses que, as exigências da lei, como condição de vida, estão plenamente satisfeitas em relação a uma pessoa³”

Em linhas gerais, JUSTIFICAR é: efetuar uma relação objetiva, estado da justiça, por uma sentença judicial, podendo ser realizado de duas maneiras:

i) Levando a condição subjetiva – ou particular – da pessoa (Tg. 2:21).

ii) Considerar a pessoa justa, apesar de injusta, visando imputar nela a justiça e a retidão de outra pessoa.

1.3 A doutrina da justificação na história

1) Antes da Reforma

Entre os pais da igreja – dentre eles, Santo Agostinho – não havia um entendimento claro da doutrina da justificação, embora eles falassem sobre ela. Uma dessas interpretações era que o batismo tinha o papel regenerador, incluindo o perdão dos pecados.

Essa ausência de entendimento claro fez com que se confundisse justificação com santificação, predominando então na Idade Média. Na tradição escolástica (precedida por Tomás de Aquino) a justificação consistia no perdão dos pecados e na transformação do homem em ser justo ou reto. Além disso, havia a ideia de que a graça infundida no homem o tornava justo e reto, e com base nela, os pecados são perdoados.

Essa ideia contribuiu, ainda na Idade Média, para o surgimento da doutrina dos méritos humanos.
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¹ Ex. 23.7; Dt. 25.1; Pv. 17.5; Is.5.23;
² Mt. 12.37; Lc. 7.29; Rm. 3.4;


Em conexão com a doutrina da justificação, essa ideia afirmava que o homem era, em parte, justificado com base nas suas boas obras (Ver Capítulo XVI, Cânone IX, Cânones e decretos do Concílio de Trento).

2) Após a Reforma

Um dos grandes pilares da Reforma foi a doutrina da justificação. A confusão que havia entre justificação e santificação foi corrigida pelos reformadores, e agora a Justificação possui um caráter Legal (ou forense), no qual Deus perdoa os nossos pecados, e nos aceita como justos perante Ele, sem nos mudar interiormente. O meio pelo qual a justificação ocorre é tão somente mediante a fé gratuita que ele recebe a Cristo, descansando unicamente nele para a salvação. Na visão reformada, a justificação é instantânea, ou seja, não é um evento progressivo .

1.4 Justificação: Natureza e Características

Definição: Ato judicial realizado somente por Deus, no qual, com base na justiça de Cristo, Ele declara que as reivindicações estão completamente satisfeitas com vistas ao pecador.

A justificação é um ato, e não um processo.

A justificação é singular, ou seja, é um ato judicial e não um processo de renovação (a exemplo da regeneração e santificação). Por isso, a justificação não muda a vida interior do pecador, mas o seu estado. A justificação envolve o perdão dos pecados e a restauração do pecador ao favor de Deus.

1.5 A esfera em que ocorre a justificação

Justificação ativa (ou objetiva): Em seu significado mais fundamental, consiste na declaração que Deus faz a respeito do pecador. Não é simplesmente uma declaração de absolvição sem levar em conta as exigências da justiça, mas é uma declaração em que no caso do pecador, as exigências da lei são cumpridas. Uma vez que a justiça de Cristo é imputada no pecador, este é declarado justo. Neste caso, Deus, como um juiz justo que reconhece os infinitos méritos de Cristo, perdoa e aceita o pecador.

Justificação passiva (ou subjetiva): Atua no coração do pecador, e faz o pecador entender que a salvação é totalmente por graça. A justificação vem em seguida à fé4.

1.6 Justificação pela Fé



De acordo com a Escritura, somos justificados “dia pisteos”, “ek pisteos” 5. A preposição dia salienta o fato de que é através da Fé que nos apropriamos de Cristo e sua justiça. Já a proposição ek diz que a fé precede a nossa justificação pessoal, visto que a justificação tem origem na fé.

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4 Rm 3:21-26;
5 Rm. 3.25, 28, 30; Gl. 2.16; Fp. 3.9;
6 Rm. 3.21, 27, 28; 4.3, 4; Gl. 2.16, 21; 3.11


É importante, porém, destacar uma diferença: A fé nunca é apresentada como base da nossa justificação. Se fosse, seria considerada uma obra meritória do homem (justificação pelas obras), na qual o apóstolo Paulo se opõe6 firmemente.

A respeito da justificação, existe algum conflito entre os escritos de Paulo e Tiago?

A resposta é, simplesmente, Não.

Alguns argumentam que a exposição em Tg. 2.14-26 argumenta sobre a justificação pelas obras. Tanto Paulo como Tiago falam da justificação do pecador. Porém, Tiago vai adiante ao afirmar que a fé verdadeira é manifestada em boas obras. Além disso, havia uma diferença entre os adversários que Paulo e Tiago enfrentavam. Enquanto Paulo tentava combater os legalistas que queriam justificar-se em parte perante a lei através das suas obras, Tiago enfrentou o lado oposto (antinomianos), que alegavam que a fé era um consentimento voluntário à verdade (2.19), negando a necessidade de praticarem as boas obras. Dessa forma, Tiago dá ênfase de que a fé sem obras é morta. Podem restar algumas dúvidas ainda (v.24). Neste caso, Tiago não está falando da justificação do pecador (Abraão fora justificado muito antes de oferecer Isaque em sacrifício7), mas de uma justificação posterior de Abraão. Se admitirmos que o v.24 afirma a justificação pelas obras, estaríamos contradizendo o versículo anterior.


1.7 A base da Justificação

Contra o ensino da igreja medieval e do arminianismo da justificação pelas obras, a doutrina reformada defende que a justificação não se concentra em alguma virtude humana. A justificação é fruto da justiça de Cristo e da graça de Deus.

Mesmo que façamos as melhores obras, nós estamos contaminados pelo pecado. Dessa forma, a base da justificação se encontra na perfeita justiça de Cristo, que é imputada ao pecador8.

A obediência passiva de Cristo9, está a base para o perdão dos pecados. Vemos, na sua obediência ativa, vemos a base pela qual ele mereceu todos os dons da graça (vida eterna, adoção de filhos, na qual somos herdeiros da vida eterna).
  

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7Gn. 15
8 Rm. 3.24; 5.9, 19; 1Co 1.30; 6.11; 2Co 5.21; Fp. 3.9;
9 Gl. 3.13

2 SANTIFICAÇÃO

A santificação é um processo contínuo pelo qual Deus, por sua misericórdia, muda os hábitos e o comportamento do crente, levando-o a praticar obras piedosas".

A. Booth, In: Somente pela Graça. São Paulo: PES, 1986, p.44-45.

2.1 O conceito de Santificação nos documentos históricos.

Catecismo Maior de Westminster: Pergunta 75;
Confissão de Fé de Westminster: Capítulo XIII;

2.2 O que é Santificação?

Em termos gerais, a santificação é uma obra salvífica de Deus, iniciada na regeneração, ocorrendo um progressivo abandono do pecado, conformando-os à imagem de Cristo.

A santificação inicia com o novo nascimento. Porém, a nossa imperfeição nos impede que alcancemos a santificação plena nessa vida¹. Nessa caminhada como peregrinos, a presença do pecado ainda existirá em nós. Mesmo após o novo nascimento, ainda pecamos:
(...) A referida perversidade da nossa natureza nunca cessa em nós, mas constantemente (Rm 7.7-25) e produz em nós novos frutos, quais sejam, as obras da carne acima descritas como uma fornalha acesa sempre a lançar labaredas e fagulhas, ou como um manancial de águas correntes continuamente vertendo sua água. Porque a concupiscência nunca morre nem é extinta por completo nos homens, até quando, livres da morte pela morte do corpo, sejam inteiramente despojados de si mesmos. É certo que o Batismo nos garante que o nosso faraó foi afogado e que a nossa carne está mortificada. Todavia, não ao ponto de que o nosso inimigo não mais exista e que já não nos incomode, mas somente no sentido de que já não nos pode vencer. Porque, enquanto vivermos encerrados na prisão que o nosso corpo é, os restos e as relíquias do pecado habitarão em nós. Mas, se pela fé retivermos a promessa que Deus nos fez no Batismo, essas forças adversas não nos dominarão e não reinarão em nós”. (CALVINO, J. As Institutas da Religião Cristã, Vol. 3).

A santificação é um aprendizado, mediante o guiar do Espírito Santo. O novo convertido adquire novos hábitos pela prática da verdade em amor². Todavia, nessa vida sempre seremos pecadores. Somos renovados, perdoados, justificados, regenerados, mas, ainda assim, permaneceremos pecadores até o último instante³. Entretanto, não há nenhuma carência, nenhuma necessidade em nós que não possa ser suprimida por Cristo. A santificação é uma “alfabetização” espiritual, na qual o crente é guiado pela Palavra de Deus4.
Uma criança recém-nascida é, salvo exceções, perfeita em suas partes, mas não está no grau de desenvolvimento ao qual foi destinada. Justamente assim, o novo homem é perfeito em suas partes, mas, na presente vida, continua imperfeito no grau de desenvolvimento espiritual (BERKHOF, L. Teologia Sistemática. 1990, p.541).

A santificação envolve uma luta diária contra o pecado em nossa vida. Encontramos na Bíblia várias referências figurativas a esse combate, garantindo-nos a vitória que temos em Cristo. O escritor de Hebreus toma o sofrimento de Cristo5 como um exemplo e estímulo para a igreja.
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¹ Fp. 3.12-14
² Ef. 4.15
³ Pv. 29.9; Ec.7.20; Rm. 6.20; 7.13-25; Tg. 3.2; 1Jo. 1.8.
4 1Jo. 1.10; 2.1;
    
Como um processo em andamento, a santificação é progressiva, desenvolvendo-se sempre6, e nesse combate diário do pecado surge a ideia (individual) de degraus de santidade. Mas, ATENÇÃO:

i) Isso não significa dizer que existem pessoas que são mais regeneradas, mais justificadas ou perdoadas do que outras. Regeneração, justificação e perdão são obras que ocorrem uma única vez, apenas e completamente em Cristo.

ii) Não significa dizer também que há na igreja pessoas melhores que outras. Diante de Deus, estamos no mesmo degrau: o de pecadores miseráveis e totalmente dependentes da graça de Deus.

iii) Mas significa que ela não ocorre de maneira igual em todos os crentes, avançando sempre para a perfeição.

iv) Por mais que nossa santidade seja elevada, ela será sempre inadequada diante do escrutínio santo de Deus. É por isso que a nossa confiança não deve se apoiar em nossa bondade ou obras, ou um ‘nível’ espiritual7.

2.3 Santificação e justificação: Quais são as diferenças?

JUSTIFICAÇÃO
SANTIFICAÇÃO
É uma obra de Deus (Rm. 4.3; 5.1,9; Gl. 2.16; 3.11), instantânea e totalmente baseada no sacrifício de Jesus na Cruz (1Pe. 2.24).
É uma obra de Deus (At. 11.18; Ez. 36.27; Ef. 2.10)
Não há obra humana que proporcione a justificação, sendo recebida somente por fé (Ef. 2:8-9; Rm. 5.1).
Envolve o trabalho do salvo, porém, é Deus quem trabalha no salvo (Fp. 2.13)
É Instantânea
É processual (Gl. 5.22, 23)
Ocorrem ao mesmo tempo
O pecador é considerado justo (ou declarado justo).
O pecador é feito justo
Faz referência à pessoa do crente
Faz referência à natureza do crente
Nos dá acesso ao céu
Nos prepara para o céu
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5 Hb.12.4;
6 Fp. 2.12b-13; 1Ts 4.1,10; 1Pe. 2.2; 2Pe. 3.18; Rm. 8.29-30; Gl. 4.19; Hb12.4-14;
7 Ef. 2.9;

2.4 Notas
Extraído de: Justificação – Estudo Intensivo. Louis Berkhof.
Santificação: Completa ou processual?